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Colunas
02/05/2025 - 08h41
Os Símbolos que Permanecem
Confira a coluna do Emerson Miranda na última edição da Gazeta: 4.289

"Os símbolos nos permitem ver o invisível, tocar o intocável e herdar o que não se pode possuir."
— Carl Gustav Jung

Durante muito tempo, me perguntei o que restaria de nós quando tudo passasse — quando os nomes deixassem de ecoar e os rostos nas fotografias perdessem a nitidez da lembrança. Patrocínio, minha cidade, esse torrão de chão onde criei raízes e sonhos, tem atravessado um desses momentos raros em que a história não apenas avança, mas se reconcilia com seu próprio passado para inventar o futuro. E, nesta travessia, me vi envolvido por uma inquietação doce: o que de fato nos representa?

A resposta me veio em forma de símbolo. Ou melhor, na reflexão sobre eles.

Símbolos são âncoras da alma coletiva. São aquilo que permanece quando os discursos se calam, as fachadas se desgastam. Não se tratam de brasões ou slogans — embora estes às vezes emprestem a forma. Um símbolo é uma espécie de espelho espiritual: nele nos reconhecemos, nele projetamos o que fomos e o que desejamos ser.

Hoje, em Patrocínio, os símbolos voltaram a ser maiores que os nomes. E isso, longe de ser uma perda de protagonismo, para quem governa, é na verdade a prova de sua grandeza. Pois só os que compreendem que estão a serviço — e não acima — da identidade coletiva, podem se tornar verdadeiramente históricos.

Vivemos tempos em que os velhos símbolos retornam com novos sentidos. O café, por exemplo — por muito tempo apenas uma referência econômica — agora é poesia viva. Não é apenas produto de exportação, é cultura de aconchego, é aroma de pertencimento. Está no ritual da manhã, na pausa da tarde, no orgulho do produtor e na xícara do sonhador. “O que seria de nós sem o café?”, disse certa vez Honoré de Balzac, que bebia até cinquenta xícaras por dia em busca de lucidez. Nós, patrocinenses, não precisamos de tantas — bastam algumas para acordar também nossa memória.

Reencontrar-se com esses símbolos é, em certa medida, um reencontro com a própria essência. Vejo agora jovens que antes se sentiam deslocados em sua própria terra começarem a vestir camisetas com frases que exaltam o cerrado, tirarem fotos em lavouras, participarem de eventos culturais que celebram nossa história e nossos sotaques. Eles não estão apenas consumindo a cidade — estão se tornando ela.

Por muito tempo, houve uma ruptura geracional. O que vinha “de trás” parecia não dialogar com os anseios do presente. Mas os símbolos têm essa capacidade de sobreviver ao tempo justamente porque sabem se reinventar. Quando uma geração decide ressignificar o que herdou — em vez de rejeitar ou repetir — a história volta a pulsar com fôlego novo.

E, nessa reinvenção, há algo que me emociona profundamente: o fato de que não são os rostos no poder que exigem protagonismo. Pelo contrário, os novos gestores — e aqui falo não apenas de cargos públicos, mas de líderes culturais, professores, artistas, comunicadores — entenderam que sua missão não é sobre serem lembrados, mas sobre lembrar-nos de quem somos.

Como escreveu Antoine de Saint-Exupéry: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” Ao cativar uma identidade que andava adormecida, ao dar voz a símbolos que falam por todos nós, os que hoje ocupam lugares de decisão estão assumindo uma responsabilidade que ultrapassa seus próprios nomes. Estão escrevendo um legado coletivo.

E é isso que me faz pensar no meu filho.

O que quero deixar para ele? Apenas relatos sobre quem fomos, ou pistas sobre quem ele pode se tornar? Desejo que ele cresça reconhecendo sua cidade não apenas nos mapas ou nos marcos físicos, mas nos símbolos que ela carrega e renova. Que veja no café não apenas um produto, mas um sinal. Que perceba na serra não apenas um relevo, mas um altar da nossa permanência. Que entenda que sua identidade está entrelaçada a uma história que continua sendo escrita — e que ele mesmo poderá escrever.

Não tenho mais medo das mudanças. Sei que os tempos são outros, e isso me alivia. Porque há algo que só os símbolos verdadeiros sabem fazer: atravessar as tempestades sem perder sua forma. Enquanto houver quem se preocupe em cultivar, e não dominar, nossa cultura — em servir, e não se impor — saberemos que não estamos à deriva.

E, quando um povo se reconhece nos seus símbolos, ele se fortalece. Quando os símbolos são vivos, ninguém os governa: eles pertencem a todos. E só assim, nesta partilha profunda, uma cidade pode continuar a ser o que sempre foi — e mais ainda: o que ela ainda nem sabe que pode ser.

Assim como uma semente de café, que carrega em si todo o potencial do aroma, da história, do sabor e da união… nossa cidade carrega dentro de si a promessa do que há de vir. E é essa promessa que desejo deixar como herança — não um ponto final, mas uma vírgula vibrante em nossa narrativa.

 



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