"Os
símbolos nos permitem ver o invisível, tocar o intocável e herdar o que não se
pode possuir."
— Carl Gustav Jung
Durante
muito tempo, me perguntei o que restaria de nós quando tudo passasse — quando
os nomes deixassem de ecoar e os rostos nas fotografias perdessem a nitidez da
lembrança. Patrocínio, minha cidade, esse torrão de chão onde criei raízes e
sonhos, tem atravessado um desses momentos raros em que a história não apenas
avança, mas se reconcilia com seu próprio passado para inventar o futuro. E,
nesta travessia, me vi envolvido por uma inquietação doce: o que de fato nos
representa?
A resposta
me veio em forma de símbolo. Ou melhor, na reflexão sobre eles.
Símbolos
são âncoras da alma coletiva. São aquilo que permanece quando os discursos se
calam, as fachadas se desgastam. Não se tratam de brasões ou slogans — embora
estes às vezes emprestem a forma. Um símbolo é uma espécie de espelho
espiritual: nele nos reconhecemos, nele projetamos o que fomos e o que
desejamos ser.
Hoje, em
Patrocínio, os símbolos voltaram a ser maiores que os nomes. E isso, longe de
ser uma perda de protagonismo, para quem governa, é na verdade a prova de sua
grandeza. Pois só os que compreendem que estão a serviço — e não acima — da
identidade coletiva, podem se tornar verdadeiramente históricos.
Vivemos
tempos em que os velhos símbolos retornam com novos sentidos. O café, por
exemplo — por muito tempo apenas uma referência econômica — agora é poesia
viva. Não é apenas produto de exportação, é cultura de aconchego, é aroma de
pertencimento. Está no ritual da manhã, na pausa da tarde, no orgulho do
produtor e na xícara do sonhador. “O que seria de nós sem o café?”,
disse certa vez Honoré de Balzac, que bebia até cinquenta xícaras por dia em
busca de lucidez. Nós, patrocinenses, não precisamos de tantas — bastam algumas
para acordar também nossa memória.
Reencontrar-se
com esses símbolos é, em certa medida, um reencontro com a própria essência.
Vejo agora jovens que antes se sentiam deslocados em sua própria terra
começarem a vestir camisetas com frases que exaltam o cerrado, tirarem fotos em
lavouras, participarem de eventos culturais que celebram nossa história e
nossos sotaques. Eles não estão apenas consumindo a cidade — estão se
tornando ela.
Por muito
tempo, houve uma ruptura geracional. O que vinha “de trás” parecia não dialogar
com os anseios do presente. Mas os símbolos têm essa capacidade de sobreviver
ao tempo justamente porque sabem se reinventar. Quando uma geração decide
ressignificar o que herdou — em vez de rejeitar ou repetir — a história volta a
pulsar com fôlego novo.
E, nessa
reinvenção, há algo que me emociona profundamente: o fato de que não são os
rostos no poder que exigem protagonismo. Pelo contrário, os novos gestores — e
aqui falo não apenas de cargos públicos, mas de líderes culturais, professores,
artistas, comunicadores — entenderam que sua missão não é sobre serem
lembrados, mas sobre lembrar-nos de quem somos.
Como
escreveu Antoine de Saint-Exupéry: “Tu te tornas eternamente responsável por
aquilo que cativas.” Ao cativar uma identidade que andava adormecida, ao
dar voz a símbolos que falam por todos nós, os que hoje ocupam lugares de
decisão estão assumindo uma responsabilidade que ultrapassa seus próprios
nomes. Estão escrevendo um legado coletivo.
E é isso
que me faz pensar no meu filho.
O que quero
deixar para ele? Apenas relatos sobre quem fomos, ou pistas sobre quem ele pode
se tornar? Desejo que ele cresça reconhecendo sua cidade não apenas nos mapas
ou nos marcos físicos, mas nos símbolos que ela carrega e renova. Que veja no
café não apenas um produto, mas um sinal. Que perceba na serra não apenas um
relevo, mas um altar da nossa permanência. Que entenda que sua identidade está
entrelaçada a uma história que continua sendo escrita — e que ele mesmo poderá
escrever.
Não tenho
mais medo das mudanças. Sei que os tempos são outros, e isso me alivia. Porque
há algo que só os símbolos verdadeiros sabem fazer: atravessar as tempestades
sem perder sua forma. Enquanto houver quem se preocupe em cultivar, e não
dominar, nossa cultura — em servir, e não se impor — saberemos que não estamos
à deriva.
E, quando
um povo se reconhece nos seus símbolos, ele se fortalece. Quando os símbolos
são vivos, ninguém os governa: eles pertencem a todos. E só assim, nesta
partilha profunda, uma cidade pode continuar a ser o que sempre foi — e mais
ainda: o que ela ainda nem sabe que pode ser.
Assim como
uma semente de café, que carrega em si todo o potencial do aroma, da história,
do sabor e da união… nossa cidade carrega dentro de si a promessa do que há de
vir. E é essa promessa que desejo deixar como herança — não um ponto final, mas
uma vírgula vibrante em nossa narrativa.